Em quatro meses, a paulistana Aline Borges saiu da confirmação de uma “gestação muito desejada” para o diagnóstico de câncer de mama em plena gravidez.
“Fiquei em estado de choque, tanto que, quando a gente saiu do consultório, eu entendi o que é o chão faltar porque eu lembro de eu pisando na calçada e eu não sentir o chão”, lembra Aline Borges.
O diagnóstico de câncer em mulheres grávidas é raro e não está ligado à gestação. A Sociedade Americana do Câncer (American Cancer Society) aponta que o câncer de mama é encontrado em uma em cada 3.000 mulheres grávidas, em média. É o tipo de câncer mais comum diagnosticado durante a gravidez.
‘Meu limite foi quando o médico disse que eu deveria abortar’
Em 2014, a psicóloga Aline Borges teve um aborto logo no início da gestação. Depois de tentativas e tratamentos, engravidou novamente no final de 2015 de “uma gestação que foi muito desejada”.
Aos 31 anos, quando estava no quarto mês de gravidez, Aline descobriu um câncer. Tudo começou quando, assim como fazia todos os dias, passou creme no corpo e, pela primeira vez, sentiu um caroço no seio.
“Minha mãe teve um câncer de mama um ano e meio antes. Ela estava bem, tinha tratado, mas eu mal dormi naquela noite”. (Leia, mais abaixo, sobre o diagnóstico de câncer de mama em gestantes).
Deste dia em diante, deu-se início a uma saga de exames e consultas médicas. No meio do caminho, para piorar, ela ainda recebeu um laudo errado de uma ultrassonografia.
Diante do medo e do histórico familiar, a psicóloga não se deu por convencida e continuou na busca. Até que chegou ao mastologista e ouviu que os exames apontavam “90% chances de ser um câncer de mama”.
Aline e o marido ainda ouviram outras opiniões para entender que tratamento seguir e qual equipe médica escolher. Até que, nas palavras de Aline, chegou em um médico “bambambã” que sugeriu que ela interrompesse a gestação, ali, com 17 semanas de gravidez. “O meu limite foi quando o médico disse que eu deveria abortar”, desabafa.
Tratamento
Pelos exames, o câncer mostrava que estava crescendo muito rápido. Ela tinha até a 20ª semana de gravidez para definir que protocolo seguir. Como existe uma restrição para grávidas de exposição à radiação (exames de imagem), Aline não sabia se já havia metástase.
Dentre as opções, o tratamento escolhido foi o de quimioterapia porque “a bebê estaria protegida pela placenta”. Ela optou por fazer algo que talvez não fosse o suficiente para combater o seu tumor, mas que não faria mal para a filha.
“Fiz mais de 10 quimioterapias durante a gestação. Passei muito mal, de chegar a vomitar sete vezes em um dia. Foi uma gestação bem diferente do que eu imaginava, eu só saía para ir ao médico, pouquíssimas pessoas me viram grávida”, relata.
O mastologista Marcelo Bello, diretor do Hospital do Câncer III, explica que há um estudo que mostra que existem alguns casos de bebês de mães em tratamento de quimioterapia que nascem com um peso um pouco mais baixo que a média, mas em que nada afeta o desenvolvimento desta criança.
No caso de Aline, ao longo do seu tratamento, sua bebê ganhava peso enquanto ela perdia. Inclusive, inicialmente, a ideia seria levar a gestação até 28 semanas, bastante pré-matura. Com o desenvolvimento da filha, o plano se estendeu até 36 semanas.
Quando Aline completou 34 semanas, saiu de um exame de ultrassonografia direto para a sala do parto. Ela chegou a ter esperança de amamentar a bebê ao menos no primeiro dia, mas não conseguiu.
“Quando ela [a bebê] tinha 15 dias eu voltei para o tratamento. […] Terminei a quimioterapia quando ela tinha dois meses e internei para fazer a cirurgia”.
A resposta da quimioterapia foi muito boa no tratamento de Aline. Ela tirou as duas mamas e seguiu para a radioterapia. Quando a bebê completou 11 meses, a psicóloga teve alta do tratamento.
Medos
“Eu tinha muitos medos. Tinha medo de não aguentar a primeira quimioterapia, aguentei. Tinha medo de morrer no parto, eu passei. […] Em momento algum eu achei que fosse acontecer algo com ela. Quando eu fui operar, falei para o meu marido ‘fala pra ela que eu amei muito ela desde sempre’. Eu tinha muito medo de eu não poder estar aqui”.
Hoje, a Ana Victória, filha de Aline, tem seis anos. A paulistana lembra que uma das coisas que mais lhe fizeram bem durante esse processo foi ir atrás de outras duas mulheres que também enfrentaram a doença durante a gestação. “Fez toda a diferença na forma como eu lidei com isso porque as filhas delas estavam vivas, elas estavam vivas”, comenta.
Dificuldade em diagnosticar
O médico Marcelo Bello pondera que como as mamas ficam mais densas durante a gestação, o diagnóstico do câncer de mama é mais difícil de ser feito e, quando acontece, acaba sendo tardio.
“Primeiro porque a mulher jovem não faz parte de um programa de rastreio, a não ser que ela tenha um histórico familiar muito importante, e segundo porque a mama fica muito difícil de ser avaliada”, diz.
O câncer, avalia o mastologista, vai surgir na paciente independentemente de ela estar grávida ou não, pois está relacionado com as mutações genéticas daquela mulher, não com a gestação.
Ele alerta ainda que é preciso esperar a fase embriogênica, com 12 semanas de gravidez, para começar a fazer o uso de algumas drogas, como o tratamento com quimioterapia, ou seguir com uma cirurgia.
Existem algumas opções de tratamento de câncer em gestantes, esclarece Bello. Todas as opções devem ser avaliadas de acordo com o tempo de gestação, dos riscos e do tipo de tumor. Em alguns casos, tanto intervenções cirúrgicas quanto a quimioterapia podem ser indicados. No entanto, ele afirma que a radioterapia não deve ser feita em grávidas e que, a melhor opção, é programar para após o nascimento do bebê.
Para o mastologista, é importante que as pacientes não pensem “em interromper a gestação por conta de tratamento de câncer de mama, a não ser em situações muito especiais, casos muito graves.”