MS/38514 – MANDADO DE SEGURANÇA

Classe:
MS
Procedência:
MATO GROSSO
Relator:
MIN. ALEXANDRE DE MORAES
Partes:
  • IMPTE.(S) – CAROLINA PERRI SIQUEIRA
  • ADV.(A/S) – WELDER QUEIROZ DOS SANTOS
  • IMPDO.(A/S) – RELATORA DO PP Nº 0001004-04.2020.2.00.0000 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
  • PROC.(A/S)(ES) – ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
  • INTDO.(A/S) – UNIÃO
  • PROC.(A/S)(ES) – ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Matéria:
  • DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Serviços | Concessão / Permissão / Autorização | Tabelionatos, Registros, Cartórios | Vacância
  • DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO | Servidor Público Civil | Regime Estatutário | Nepotismo

Decisão      Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por Carolina Perri Siqueira e Pedro Ivo Silva Santos em face de ato praticado pelo Conselho Nacional de Justiça, nos autos do Pedido de Providências 0001004-04.2020.2.00.0000, objetivando a manutenção na interinidade dos cartórios vacantes do 2º Ofício de Marcelândia/MT e do 2º Ofício de Sorriso/MT, respectivamente.     Os autores narram que “(i) são concursados, aprovados no último Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga das Delegações do Foro Extrajudicial de Mato Grosso; (ii) se submeteram à processo seletivo específico, realizado, em ampla concorrência com os demais concursados da região, mediante critérios objetivos definidos pelo CNJ para a designação de delegatários concursados como interinos mistos de cartórios vacantes (Provimento CNJ n. 77/2018); (iii) critérios estes que foram aplicados de forma idêntica e homogenia em todas as dezenas de processos seletivos para a designação de delegatários concursados como interinos mistos realizados pela CGJ-MT – Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso”.     Relatam que “apesar de serem concursados, de ter ocorrido processo seletivo em ampla concorrência e mediante critérios do CNJ, de não terem sido favorecidos e de inexistir relação de subordinação, os Impetrantes podem vir a ser afastados definitivamente, sem direito a contraditório e ampla defesa, pois a Eminente Corregedora Nacional de Justiça, de ofício e de maneira teratológica, com fundamento em dispositivo inaplicável ao caso — pois rege a designação de não concursados como interinos (art. 2º, § 2º, Prov. CNJ n. 77/2018; interinidade pura) — , entendeu haver nepotismo, por possuírem vínculo de parentesco com membros do TJMT (Carolina, irmã; e Pedro Ivo, filho) e determinou a substituição em 60 (sessenta) dias, até o dia 02/05/2022”.     Afirmam que “estão sendo punidos indevidamente pela relação de parentesco com Desembargadores, mesmo sendo vitoriosos em processo seletivo, em ampla concorrência com os demais concursados da região, conforme critérios objetivos fixados pelo próprio CNJ”.     Alegam que “o presente caso impõe o controle do ato coator — decisão administrativa Eminente Corregedora Nacional de Justiça — praticado pelo STF diante da sua injuridicidade e manifesta irrazoabilidade, que aplicou equivocadamente o art. 2º, § 2º do Provimento CNJ n.77/2018, em detrimento ao art. 5º do mesmo Provimento, aplicável ao caso”.     Aduzem que “alicerçado em premissas de fato e de direito inexistentes, o ato coator é teratológico, sendo ilegítimo o fundamento aplicado. O nepotismo pode ocorrer apenas nas designações de interinidade pura (substituto/empregado de confiança/sem concurso), conforme está expresso no Provimento CNJ n. 77/2018. Mas no caso de interinidade mista (delegatário/titular/concursado), conforme o silêncio do art. 5º do mesmo Provimento, prima facie não há nepotismo quando a designação é feita após criterioso processo seletivo, em ampla concorrência entre os delegatários interessados”.     Salientam que “as designações não recaíram sobre substitutos, mas sobre delegatários, portanto não está sustentada no artigo 2º e parágrafos, mas no artigo 5º do Provimento CNJ nº 77/2018”, bem como que “as designações ocorreram após realização de processo seletivo em ampla concorrência com os demais concursados da região interessados na interinidade, observados os critérios objetivos fixados pelo próprio CNJ, no Provimento n. 77/2018”.     Asseveram que “o § 1º do art. 2º da Resolução CNJ n. 07/2005 prevê a possibilidade de os servidores efetivos, admitidos por concurso público, com a compatibilidade de grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, serem nomeados para o exercício de funções comissionadas, mesmo tendo relação de parentesco, desde que não haja subordinação ao magistrado ou servidor”.     Pontuam que “CAROLINA e PEDRO IVO são delegatários de serventia extrajudicial, admitidos por concurso público, e, após criterioso e homogêneo processo seletivo entre os delegatários concursados interessados, foram selecionados e designados como interinos — CAROLINA para o 2º Ofício de Marcelândia e PEDRO IVO para o 2º Ofício de Sorriso — para Cartórios com atribuição comum, tendo, ambos, compatibilidade do grau de escolaridade do cartório de origem, qualificação profissional e conhecimento da complexidade da função a ser exercida, sem nenhuma relação de subordinação a nenhum magistrado ou servidor determinante de incompatibilidade”.     Sustentam que “a realização de processo seletivo, para a seleção e designação de delegatários como interinos de cartórios vacantes, — em observância ao entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADI 1183 e aos critérios objetivos fixados pelo Provimento n. 77/2018 — concretiza os princípios constitucionais da moralidade, imparcialidade, isonomia, legalidade, eficiência e concurso público, previstos nos arts. 5º, caput, 37 e 236, § 3º, da Constituição Federal”.     Ressaltam que “o perigo de ineficácia da medida é iminente, pois a Eminente CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA determinou à CGJ-MT a substituição dos Impetrantes em 60 (sessenta) dias, até o dia 02/05/2022” e que “em relação ao fundamento relevante ou à probabilidade de direito, o ato coator viola a teleologia da vedação ao nepotismo ao punir os Impetrantes, aprovados em processos seletivos de serem mantidos como interinos, em afronta aos princípios da moralidade, imparcialidade, isonomia, legalidade, eficiência e concurso público; à Súmula Vinculante 13; ao julgamento da ADI n. 1.183; ao art. 23 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos; ao § 1º do art. 2º da Resolução CNJ n. 07/2005; às alíneas ‘b’ e ‘o’ do Enunciado Administrativo 01 do CNJ; e ao art. 2º, § 2º, e art. 5º, ambos do Provimento n. 77/2018 do CNJ”.     Ao final, requerem “a concessão de liminar inaudita altera parte, em caráter de urgência, para suspender os efeitos da decisão administrativa proferida em 02/03/2022 pela Eminente CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA, que determinou à CGJ-MT a substituição de CAROLINA PERRI SIQUEIRA e de PEDRO IVO SILVA SANTOS como interinos até 02/05/2022”. No mérito, pleiteiam que o pedido seja julgado procedente “com a concessão da segurança, para invalidar o ato administrativo que entendeu haver desconformidade nas nomeações dos Impetrantes, notários e registradores, como interinos e reconhecer a legalidade das designações de CAROLINA PERRI SIQUEIRA como interina no Cartório do 2º Ofício de Marcelândia e de PEDRO IVO SILVA SANTOS como interino no Cartório do 2º Ofício de Sorriso”.     Por meio da Petição 26.370/2022, os impetrantes apontam a inexistência de prevenção apta a ensejar, no caso, a distribuição por dependência, fazendo-se “necessária a livre distribuição do presente feito, nos termos do art. 930 do Código de Processo Civil e do art. 67 do Regimento Interno do STF”.     Em 12/4/2022, indeferi a medida liminar requerida e determinei a notificação da autoridade impetrada para fornecimento das informações necessárias, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei 12.016/2009.     Intimado, o Conselho Nacional de Justiça informou:     “Acerca da questão, cumpre esclarecer que o Conselho Nacional de Justiça, com o propósito de disciplinar o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário, editou a Resolução nº 7, de 18 de outubro de 2005, disciplinando, no que aqui importa, que:     (…)     Posteriormente, este Conselho editou o Enunciado Administrativo nº 1/2005, especificando fatores e situações geradoras de incompatibilidade que configuram nepotismo e incluindo as serventias extrajudiciais no alcance da Resolução nº 07/2005.     É relevante a compreensão de que, com a vacância, a atividade notarial e/ou registral deixa de ser exercida em caráter privado e a titularidade do serviço público retorna à Administração Pública, mais especificamente, ao Poder Judiciário, a quem incumbe providenciar continuidade das atividades, mediante designação de interino e, nos termos da legislação, realização de concurso público de provas e títulos para outorga de nova delegação.     A nomeação de interino é, portanto, ato administrativo, estando, assim, adstrito aos princípios da impessoalidade e da moralidade, previstos no art. 37 da CF/88.     Com efeito, a jurisprudência desta Suprema Corte é no sentido de que a vedação ao nepotismo é consequência lógica da norma insculpida no caput do artigo 37 da Constituição Federal, em obediência, notadamente, aos princípios da moralidade e da impessoalidade. Tal entendimento restou firmado no julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do RE 579.951, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 23/10/2008, que deu ensejo à edição da Súmula Vinculante 13. O referido acórdão restou assim ementado, in verbis:     (…)     Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça, seguindo a orientação prevista na Súmula Vinculante nº 13 do STF, consolidou o entendimento de que, em caso de vacância ou extinção da delegação, é vedada a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau de titulares para a função de interino (PCA 0005414-13.2017.2.00.0000).     Tal súmula passou a ser aplicada ao serviço notarial por força do Enunciado Administrativo nº 1 do CNJ:     “Aplica-se a Resolução 7 deste CNJ às nomeações não-concursadas para serventias extrajudiciais”.     A Resolução nº 7, por sua vez, prevê em seu art. 1º que:     “É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados”.     Sendo assim, o interino assemelha-se ao agente público, logo, aplicável o regime de direito público, não sendo possível afastar sua designação dos princípios constitucionais, mormente, o da moralidade e da impessoalidade, que obstam o nepotismo.     Por consequência, não podem associar-se a cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau de titulares e/ou de ex-titulares de serventias notariais e de registro ou de magistrados do tribunal local.     A propósito, o § 2º do art. 1º do Provimento CNJ nº 77/2018 prevê:     “§ 2º A designação de substituto para responder interinamente pelo expediente não poderá recair sobre cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau do antigo delegatário ou de magistrados do tribunal local.”     Nesse sentido:     (…)     À vista disso, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça, firmou a orientação no sentido de que, extinta a delegação, a autoridade competente designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente, desde que esse ato não viole a aplicação dos princípios constitucionais previstos no artigo 37 c/c a Súmula Vinculante 13 do STF:     (…)     In casu, trata-se de Pedido de Providências n. 001004-04.2020.2.00.0000 instaurado de ofício pela Corregedoria Nacional de Justiça a fim de acompanhar o cumprimento das determinações contidas no item IV do acórdão, exarado pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, que aprovou o relatório da inspeção do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, realizada no ano de 2019.     Nos termos apresentados no acórdão, foi determinado ao TJMT: i) a substituição, no prazo de 30 dias, de todos os interinos designados em contrariedade ao disposto no Provimento CNJ n. 77/2018; e ii) a imediata finalização do concurso iniciado em 2013.     Após decorrido o prazo para cumprimento das determinações impostas, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em 24/08/2021, informou terem sido sanadas as irregularidades no que toca à designação de interinos em afronta ao texto do Provimento CNJ nº 77/2018.     Todavia, conforme exposto em decisão proferida por esta Corregedoria, em 02/03/2022, constatou-se que, dentre a lista de 33 designações de interinos que foram regularizadas, ainda haviam duas que permaneceram em desconformidade com os preceitos do Provimento CNJ nº 77/2018, que são as designações para o Cartório do 2º Ofício da Comarca de Marcelândia e Cartório do 2º Ofício da Comarca de Sorriso, uma vez que os interinos nomeados possuem relação de parentesco com magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (Carolina, sobrinha do Des. Orlando de Almeida Perri, e Pedro Ivo, filho do Des. Dirceu dos Santos).     Em vista disso, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso foi oficiada para que, no prazo de 60 (sessenta) dias, sanasse as irregularidades referentes às serventias do 2º Ofício da Comarca de Marcelândia e 2º Ofício da Comarca de Sorriso, designando responsáveis interinos para essas serventias que cumpram todos os requisitos do Provimento CNJ nº 77/2018.     Contra essa decisão monocrática, os impetrantes interpuseram recurso administrativo, o qual não foi conhecido por decisão a seguir ementada:     (…)     Isto posto, pondera-se a Vossa Excelência, à luz das razões vertidas no presente ofício, que as nomeações dos respondentes interinos por unidades vagas, mesmo quando recaiam sobre delegatários responsáveis por outras serventias, não prescindem da rigorosa observância dos princípios constitucionais previstos no artigo 37 da CF/88, notadamente a impessoalidade, a vedar a prática do nepotismo em situações que tais.”     Em 27/4/2022, foram opostos embargos de declaração, pelos impetrantes, contra a decisão que indeferiu o pedido de liminar. Em síntese, os embargantes requerem que seja sanada suposta “omissão sobre matéria de ordem pública consistente na inexistência de prevenção, com a consequente devolução dos autos para a Coordenadoria de Processamento Inicial para a realização da livre distribuição”.     O Ministério Público Federal se manifestou pelo “acolhimento dos embargos de declaração, para que Vossa Excelência se pronuncie sobre a alegada existência, ou não, de prevenção em relação ao MS 36.259, ou submeta os autos ao exame do Ministro Presidente do STF para deslinde da controvérsia, e, no mérito, pela denegação da segurança”, em parecer que recebeu a seguinte ementa:     “MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INTERINIDADE. VÍNCULO DE PARENTESCO COM MEMBROS DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. VIOLAÇÃO. NEPOTISMO. ENUNCIADO 13 DA SÚMULA VINCULANTE DO STF. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.     1. A controvérsia suscitada sobre a existência, ou não, de prevenção do Ministro Relator para julgamento do presente caso, fundamentada no art. 69 do RISTF, há de ser dirimida pelo Presidente do STF, porquanto se trata de matéria de disciplina interna do Tribunal.     2. O controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de: (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta falta de razoabilidade do ato impugnado. Precedente do STF.     3. Inexiste injuridicidade ou manifesta falta de razoabilidade em ato do CNJ que, em observância aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, bem como ao Enunciado 13 da Súmula Vinculante do STF, determina a revogação de interinidade em serventia extrajudicial em razão da existência de vínculo de parentesco do interino com magistrados do TJMT.     — Parecer pelo provimento dos embargos de declaração e, no mérito, pela denegação da segurança.”     Por meio da Petição 31.578/2022, a União requereu seu ingresso no feito.     É o relatório. Decido.     Preliminarmente, é necessário apreciar o pedido de redistribuição do mandamus. Da análise dos autos, verifico que a distribuição, no caso específico, foi realizada pela Presidência da CORTE, conforme devidamente certificado pela Secretaria Judiciária (doc. 36), nos termos do artigo 69 do RISTF, o qual dispõe que:     “Art. 69. A distribuição da ação ou do recurso gera prevenção para todos os processos a eles vinculados por conexão ou continência.”     Assim, ante a ausência de qualquer irregularidade na distribuição da ação, nada justifica, nesse estágio, a declinação da competência com a invalidação de atos e decisões já proferidas.     Ultrapassado esse ponto, passo a analisar o mérito da impetração.     Nos termos do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e do artigo 1º da Lei 12.016/2009, o Mandado de Segurança será concedido para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.     A doutrina e a jurisprudência conceituam direito líquido e certo como aquele que resulta de fato certo, ou seja, aquele capaz de ser comprovado de plano, por documentação inequívoca, uma vez que o direito é sempre líquido e certo, pois a caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos que necessitam de comprovação.     Conforme tenho afirmado, a impetração do mandado de segurança não pode fundamentar-se em simples conjecturas ou em alegações que dependam de dilação probatória incompatível com o procedimento do mandado de segurança, exigindo-se a pré-constituição das provas em relação às situações fáticas ensejadoras de seu ajuizamento, pois, como ressalta MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “o direito líquido e certo é aquele que, à vista dos documentos produzidos, existe e em favor de quem reclama o mandado, sem dúvida razoável” (Curso de Direito Constitucional. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 314), corroborado por J. J. OTHON SIDOU, ao afirmar que “se o fato é certo, isto é, provável de plano a ilegalidade ou o abuso de poder praticado, aquela e obviamente esse por autoridade pública, há caso para mandado de segurança” (Habeas data, mandado de injunção, habeas corpus, mandado de segurança e ação popular. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 142).     Não é o que ocorre na presente hipótese.     Conforme já afirmado, a presente impetração se volta contra ato do CNJ que, nos autos do Pedido de Providências 0001004-04.2020.2.00.0000, entendeu que “as designações interinas para as serventias do 2º Ofício da Comarca de Marcelândia e 2º Ofício da Comarca de Sorriso devem ser revogadas, com a atribuição da gestão provisória de tais unidades a outros interinos, tendo em vista a permanência da condição de nepotismo, em frontal ofensa ao Provimento CNJ nº 77/2018, em especial ao § 2º, do artigo 2º, do citado ato normativo”.     Ocorre que o referido entendimento está de acordo com a orientação firmada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no sentido de que o Conselho Nacional de Justiça, no estrito âmbito de suas atribuições constitucionais, com destaque para a fiscalização do serviço notarial e de registro (arts. 103-B, § 4º, I e III, e 236, § 1º, da CF/88), ao proibir a prática do nepotismo no desempenho destes serviços em período de interinidade, apenas deu concretude a preceitos constitucionais, notadamente os previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal (MS 38.468, Rel Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/3/2022).     Em outras palavras, o ato normativo editado pelo CNJ encontra seu fundamento de validade justamente nos princípios constitucionais que informam a Administração Pública, com destaque para o da moralidade.     O Plenário deste Tribunal, ao apreciar o RE 579.951, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 23/10/2008, que deu ensejo à edição da Súmula Vinculante 13, consignou que “as restrições impostas à atuação do administrador público pelo princípio da moralidade e demais postulados contidos no referido dispositivo da Constituição são autoaplicáveis, visto que trazem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em consequência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que vulnerem os valores fundantes do texto constitucional”. O referido acórdão restou assim ementado:     “ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE. I – Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II – A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III – Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. IV – Precedentes. V – RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão.” (Grifo nosso)     Importante o destaque de que, ainda que os impetrantes busquem a mitigação da aplicação das regras que vedam o nepotismo ao argumento da peculiaridade da situação em que se encontram, sendo inaplicável o dispositivo que rege a designação de não concursados como interinos (artigo 2º, §2º, do Provimento 77/2018 do CNJ), o certo é que, mesmo na condição de delegatários de outras serventias, para as quais foram investidos por concurso público, assumiram as serventias atualmente vagas na condição de interinos. E, nessa posição, exercem a função de forma precária e provisória, em condições idênticas aos substitutos quando também designados interinos. Portanto, em relação à interinidade, devem ser preservados os princípios da moralidade e da impessoalidade por intermédio da aplicação das regras que vedam o nepotismo, devidamente previstas no Provimento 77/2018 do CNJ.     Esse entendimento foi consagrado no Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que, ao apreciar o RE 808.202, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tema 779 da repercussão geral, assentou que “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais”. Por oportuno, trago à colação a ementa do referido julgado:     “Direito Constitucional. Notários e registradores. Titulares e substitutos. Equiparação. Inviabilidade. Inteligência dos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da CF/88. Remuneração dos interinos designados para o exercício de função delegada. Incidência do teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da CF/88. Obrigatoriedade. Recurso extraordinário provido. 1. Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal, para o ingresso originário na função. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal. 2. Diferentemente dos titulares de ofícios de notas e registros, que se classificam como agentes delegados, os substitutos ou interinos de serventias extrajudiciais atuam como prepostos do Estado e se inserem na categoria genérica dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República. 3. Tese aprovada: ‘os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República.’ 4. Recurso extraordinário provido.”     Em suma, não se visualiza ilegalidade do ato emanado do CNJ e que ora é impugnado.     Assim, tem-se, então, que o CNJ atuou conforme suas prerrogativas constitucionais, não incorrendo em qualquer ilegalidade ou abuso de poder. Essa atuação, aliás, está em consonância com as diretrizes lançadas pela jurisprudência desta SUPREMA CORTE, consolidada no sentido de que, como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado (MS 33.690 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 18/2/2016). No mesmo sentido: RMS 27.934 AgR, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 3/8/2015; RMS 33.911, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 20/6/2016; RMS 24.347, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, DJ de 4/4/2003.     O presente Mandado de Segurança trata, portanto, de hipótese em que a situação fática não fez surgir direito inquestionável, como necessário para o deferimento da ordem (MS 21.865/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 1º/12/2006), não sendo, portanto, cabível a concessão da segurança, pois, em lição do saudoso Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, “o mandado de segurança é instrumento adequado à proteção do direito, desde que presentes os seus pressupostos, notadamente o direito líquido e certo, que ocorre quando a regra jurídica incidente sobre fatos incontestáveis configurar um direito da parte” (RMS 10.208/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, STJ, 4ª Turma, DJ de 12/4/1999).     Sendo inexistente o direito líquido e certo alegado pelos impetrantes e, consequentemente, não havendo qualquer comprovação de ilegalidade flagrante, é inviável o presente mandado de segurança, como ressaltado pelo Ministro CELSO DE MELLO, a noção de direito líquido e certo, para efeito de impetração de mandado de segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca (MS 21.865, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 1/12/06).     Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º , do Regimento Interno o Supremo Tribunal Federal, JULGO IMPROCEDENTE O MANDADO DE SEGURANÇA. Fica PREJUDICADO o exame dos embargos de declaração opostos em face da decisão que indeferiu a liminar.     Defiro o ingresso da União no feito.     À Secretaria Judiciária para as anotações necessárias.     Publique-se.     Brasília, 15 de agosto de 2022. Ministro Alexandre de Moraes Relator Documento assinado digitalmente

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Fonte
STF

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