A regra do parágrafo 4º do artigo 382 do Código de Processo Civil (CPC) não comporta interpretação meramente literal, sob pena de se incorrer em grave ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e do devido processo legal.
Por entender que há margem para o exercício do contraditório nessa fase processual, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, tornar sem efeito a decisão do juízo de primeira instância que determinou a uma empresa de auditoria que apresentasse documentos sob sua responsabilidade no prazo de 30 dias.
“Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado”, explicou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso.
Segunda instância manteve interpretação literal da regra do CPC
No caso em julgamento na Terceira Turma, uma empresa de auditoria foi obrigada a exibir documentos e prestar informações que seriam de seu conhecimento, no âmbito de uma ação movida por outra empresa.
Ao acolher o pedido de exibição de documentos, o juízo advertiu a empresa de auditoria de que a produção antecipada de prova não admite defesa ou recurso, salvo contra decisão que indefira totalmente o procedimento pleiteado pelo requerente originário, nos termos do parágrafo 4º do artigo 382 do CPC.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) com o mesmo fundamento. Ao STJ, a empresa de auditoria afirmou que a ordem de exibição de documentos sem margem para qualquer tipo de contestação implicaria violação de diversos dispositivos do CPC.
Segundo o ministro Marco Aurélio Bellizze, o posicionamento adotado pelas instâncias ordinárias não está de acordo com o processo civil constitucional, idealizado – em suas palavras – como forma de garantia individual e destinado a concretizar as normas fundamentais estruturantes do processo civil.
Vedação é destinada a restringir espectro de matérias que podem ser debatidas
O relator explicou que a vedação prevista em lei quanto ao exercício do direito de defesa deve se restringir à proibição de veiculação de determinadas matérias impertinentes ao procedimento em curso.
Para Bellizze, as questões relacionadas ao objeto da ação e aos procedimentos definidos em lei podem ser arguidas pelo demandado, pois o CPC garante às partes a indispensável oportunidade de se manifestarem antes da decisão, a fim de que as suas alegações possam ser sopesadas e influir na convicção fundamentada do juízo.
“Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de maneira alguma, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório – como se deu na hipótese dos autos”, destacou o ministro.
Ao rejeitar a interpretação literal da regra do CPC, Bellizze explicou que é preciso identificar o objeto específico da ação de produção antecipada de provas, bem como o conflito de interesses nela inserto, para somente então delimitar em que extensão o contraditório poderá ser exercido.
O ministro alertou que, na ação de produção antecipada de provas, existem efetivos conflitos de interesse em torno da própria prova, cujo direito à produção constitui a causa de pedir deduzida e, naturalmente, pode ser contestado pela parte adversa, “na medida em que sua efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos”.
Leia o acórdão no REsp 2.037.088.