TJ valoriza luta e presença feminina no Judiciário.
O Dia Internacional da Mulher tem como origem a luta das mulheres pela igualdade de gênero. Conta a história que a mobilização feminina teve início em 1908, quando 15 mil marcharam pela cidade de Nova York exigindo a redução das jornadas de trabalho, salários dignos e direito ao voto. Em 8 de março de 1917, cerca de 90 mil operárias russas percorreram as ruas reivindicando melhores condições de trabalho e de vida, ao mesmo tempo que se manifestavam contra as ações do Czar Nicolau II. Esse movimento ficou conhecido como “Pão e Paz” e deu origem à data, oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975.
Desde esse evento histórico, muitas conquistas foram celebradas. As mulheres têm seu espaço na sociedade reconhecido a cada dia e ocupam cada vez mais posições de destaque em todas as áreas de atuação, mas, ainda, há muito a ser conquistado.
No Poder Judiciário de São Paulo, a presença feminina é predominante: 55% dos 38.643 servidores são mulheres – um total de 21.400. Nos quadros da Magistratura, o número de mulheres também segue tendência crescente. Nos concursos de ingresso realizados de 2004 para cá, a média de aprovadas está em 42%. Atualmente, o TJSP conta com 37 desembargadoras, 25 juízas substitutas em segundo grau e 857 juízas, totalizando 919 presenças femininas em 1º e 2º graus. “Situação bem diferente da que encontrei quando ingressei na Magistratura e eram pouco mais de uma dezena de mulheres no estado inteiro”, conta a desembargadora Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida (veja box abaixo), que compôs como suplente a Comissão Julgadora do 189º Concurso de Ingresso na Magistratura – cujos aprovados foram empossados no último dia 13 –, juntamente com a desembargadora Silvia Rocha, presidente da banca. Foi a primeira vez que uma banca examinadora foi presidida apenas por mulheres.
O 12º Concurso Público de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e Registros do Estado de São Paulo tem, como integrantes da comissão, seis mulheres: as juízas Teresa de Almeida Ribeiro Magalhães, Vivian Labruna Catapani e Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad; a promotora de Justiça Patrícia de Moraes Aude, e as tabeliãs Daniela Rosário Rodrigues e Ana Paula Frontini.
Na atual composição do Órgão Especial, há três desembargadoras: Luciana Almeida Prado Bresciani, Marcia Regina Dalla Déa Barone e Silvia Rocha. O cargo de ouvidora do TJSP também é ocupado por uma mulher: a desembargadora Ligia Cristina de Araújo Bisogni.
A desembargadora Rachid Vaz de Almeida é, agora, presidente da banca do 190º Concurso de Ingresso na Magistratura – com edital publicado em 18/1 que prevê 244 vagas – e coordenadora da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp) – setor que assessora a Presidência do Tribunal de Justiça nas atividades de combate e prevenção à violência de gênero. A vice-coordenadoria da Comesp está a cargo da desembargadora Gilda Cerqueira Alves Barbosa Amaral Diodatti.
O setor é responsável pela elaboração de material de orientação para auxiliar magistrados, servidores e equipes multidisciplinares em suas atividades, além de fornecer subsídios técnicos para a formulação de políticas judiciárias e atuar na interlocução com a rede de atendimento à mulher, composta por órgãos governamentais e não governamentais.
Dia Internacional da Mulher
8 de março é celebrado em todo o mundo para reconhecer as conquistas sociais, políticas e culturais das mulheres, tendo muita importância por ser uma oportunidade de visibilidade e de chamar a atenção para acelerar os movimentos em prol da igualdade de gêneros.
Essa reivindicação tem história. Tudo começou nos Estados Unidos, no século 20, quando as mulheres se uniram e foram para as ruas a fim de exigir o direito de votar e trabalhar em condições dignas. A partir desse momento histórico, os movimentos cresceram até a atualidade, tendo muito ainda a ser feito em benefício às mulheres.
No nosso Tribunal de Justiça as mulheres têm ocupado mais espaços, apesar de nenhuma ter assumido, até hoje, cargo de direção. E estão fazendo brilhantemente, haja vista a atuação das mulheres que ocupam assento no Órgão Especial, as desembargadoras Luciana Almeida Prado Bresciani, Marcia Regina Dalla Déa Barone e agora Silvia Rocha, que teve impecável desempenho como a primeira mulher a presidir um concurso de ingresso na Magistratura paulista. Também não podemos esquecer que a primeira mulher a integrar o Órgão Especial, de forma brilhante, foi a desembargadora Maria Cristina Zucchi. Essa situação é muito diferente da que encontrei quando ingressei na Magistratura, e eram pouco mais de uma dezena de mulheres no estado inteiro.
Esse aumento de representatividade, sem dúvida, é um reflexo do que acontece na sociedade em geral, mas, ainda insuficiente porque o número comparativo entre homens e mulheres é muito diferente.
Apesar de termos uma das melhores legislações mundiais e constantemente surgirem novas regras para diminuir a violência doméstica e a desigualdade de gênero, muito ainda há que ser feito. Importante o que vem ocorrendo no sentido de os homens participarem e apoiarem o movimento feminista, sempre lembrando que as mulheres não estão num processo de competição, e sim de se posicionar para serem ouvidas e respeitadas tanto na sociedade em geral, mas, principalmente, dentro de casa.
Não dizemos que as mulheres são melhores ou piores que os homens, e sim que, dentro de nossas diferenças, somos capazes de ocupar os mesmos espaços, receber os mesmos salários, participar e opinar sobre todos os assuntos. Cumpre ressaltar que esse respeito e igualdade que buscamos têm sido muito benéficos para a estrutura familiar e educação dos filhos.
Para mim, ser a segunda mulher a presidir a banca de Concurso de Ingresso na Magistratura do Estado de São Paulo significa o maior desafio de toda a minha carreira, tendo em vista que, a meu ver, é um dos cargos de maior responsabilidade do nosso Tribunal.
Com o apoio da cúpula do nosso Tribunal, coordenar a Comesp também é um desafio em constante busca de medidas de políticas públicas. A Comesp cresceu muito! Hoje temos um leque de protocolos e projetos em andamento, não só visando o sistema de proteção de vítimas em geral, mas das próprias magistradas e funcionárias que buscam esse tipo de apoio, sendo a nossa atuação discreta e sigilosa.
Enfim, acredito que estamos no caminho certo, ainda que lentamente!
Maria de Lourdes Rachid Vaz de Almeida – Desembargadora
Legislação
A prevenção e o combate à violência de gênero também são assuntos recorrentemente debatidos na data. A Lei Maria da Penha (nº 11.340/06) foi pioneira sobre o tema e criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ao longo dos anos, novas leis foram criadas para dar mais proteção e buscar a redução dos casos. Exemplos mais recentes são a Lei Carolina Dieckmann (nº 12.737/12), que criminaliza a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares, e a Lei Mariana Ferrer (nº 14.245/21), que busca zelar pela integridade física e psicológica da vítima na audiência de instrução e julgamento, dentre outras.
Lei nº 13.104/15 – Feminicídio
Torna o feminicídio circunstância qualificadora do crime de homicídio, colocando-o no rol dos crimes hediondos. Feminicídio é o assassinato de pessoa do sexo feminino motivado por violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Lei 11.340/06 – Maria da Penha
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece medidas de assistência e proteção. À pessoa condenada, será aplicada pena correspondente ao crime cometido, de acordo com o que prevê o Código Penal, além da participação em programas de reeducação e outras medidas que sejam necessárias para proteger a vítima.
Lei 12.245/21 – Mariana Ferrer
Tem por objetivo zelar pela integridade física e psicológica da vítima, na audiência de instrução e julgamento, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa. A lei proíbe a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos e a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
Lei 12.845/13 – Minuto Seguinte
Garante a vítimas de violência sexual atendimento imediato pelo Sistema Único de Saúde (SUS), disponibilizando amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos.
História
“Dona Maria Primeira, de Portugal: uma rainha incompreendida”
Emeric Lévay
A Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses, assinada pelos governos dos respectivos países ao ensejo do sesquicentenário de nossa Independência (1972), reclama algumas reflexões em torno da maneira como é ensinada a história nacional nos cursos de nível fundamental, particularmente aqueles episódios em que se manifesta o antagonismo das nacionalidades, como por exemplo a chamada “Inconfidência Mineira”.
Com raríssimas exceções, os autores brasileiros que trataram do assunto, adotaram uma atitude hostil à soberana de Portugal, Dona Maria 1ª, atribuindo-lhe uma responsabilidade preponderante no desfecho do movimento revolucionário, senão exclusivo, quanto à condenação do alferes Joaquim José da Silva Xavier.
Trata-se, sem dúvida, de uma pseudo-história, fruto de uma lusofobia renitente, que subestima ou ignora as instituições político-sociais da época em que os fatos ocorreram. Não se preocupam esses autores, em repristinar a verdade, com apoio em documentos coevos, mas, ao contrário, tomam partido a favor deste ou daquele personagem, numa linguagem desenfreada e descortês em relação às autoridades portuguesas em exercício no Brasil, em cujo foco aparece D. Maria 1ª, apresentada como rainha cruel, sádica e execrável, “que mandou matar Tiradentes”.
O drama dos Inconfidentes
Afirma-se, com freqüência, que a comutação das penas capitais impostas aos sentenciados, em degredo temporário para Angola e Moçambique e outras colônias portuguesas do continente africano, resultou de um ato da Rainha.
Tal afirmação, entretanto, não corresponde à verdade, porque – naquela altura do processo instaurado nesta banda do antigo império português – Dona Maria não mais exercia o poder, devido à moléstia mental que a acometeu, aos poucos, a partir da perda do marido e de seu filho José, o Príncipe da Beira, em conseqüência do que o trono foi interinamente ocupado por Dom João, em 10 de fevereiro de 1792.
A súbita mudança ocorrida no governo metropolitano não chegou ao conhecimento da famigerada Alçada reunida no Rio de Janeiro, por força das notórias dificuldades das comunicações marítimas, mas, ainda que assim não fosse, o Tribunal Especial, desde sua instalação, já estava munido de plenos poderes para deliberar acerca do destino dos acusados, exceto em relação aos réus eclesiásticos, que deveriam ser remetidos à Lisboa, após a prolação da sentença condenatória. Aliás, nem o Príncipe Dom João, na regência do Trono, como soberano “de fato”, àquela época, tivera conhecimento tempestivo do desfecho do julgamento.
Não obstante, tem-se atribuído, como restou afirmado linhas atrás, à Dona Maria 1ª, aqui pejorativamente chamada pela alcunha de “A louca”, a grave responsabilidade da condenação de Tiradentes.
Carta Régia Salvadora
Augusto de Lima Júnior, em alentado estudo sobre a “Inconfidência de Minas Gerais”, referindo-se à Carta Régia de 15 de outubro de 1790, afirma que nesse documento o governo português premeditou a condenação do Alferes, bem como a comutação das penas capitais dos demais chefes da conspiração. Não tem razão, todavia, o conhecido historiador mineiro, nesse importante passo de sua renomada obra, pois o documento em apreço dava aos juizes do Tribunal o arbítrio de salvar ou executar, posto que ao tempo em que a Rainha apôs sua rubrica no referido Decreto, autorizando a comutação das reprimendas, ignorava-se, totalmente, quem era o chefe ou os chefes da malograda revolução.
Aliás, o próprio Desembargador Tomás Antonio Gonzaga, apontado pelo principal delator da conspiração (Coronel Joaquim Silvério dos Reis), como sendo um dos chefes do movimento subversivo, não tivera qualquer papel de relevo na conspiração, mais preocupado com a proximidade de seu casamento com a jovem Maria Dorothéa Joaquina de Seixas, a imortal “Marília de Dirceu”.
Por esse motivo a referida Carta Régia não individualizava o benefício da clemência real, de modo que essa faculdade fora exercida pelos juizes da Corte de Exceção, nos termos do aludido decreto permissivo da comutação que permaneceu em segredo até o encerramento da devassa, em poder dos membros da Alçada, e juntado aos autos do respectivo processo na undécima hora, como se lê no acórdão datado de 20 de abril de 1792, de maneira a emprestar ao julgamento uma nota de “suspense”.
É o que ocorreu, posteriormente, no célebre processo dos implicados na Revolução Pernambucana de 1817, segundo revelação do Intendente de Polícia de Dom João VI, o Desembargador Paulo Fernandes Vieira, em ofício reservado dirigido a Tomás Antonio Vila Nova de Portugal (cf. “Documentos Históricos”, vol. CII, pág. 24-27, Rio, 1953).
“A verdade ainda que tardia”
Diante desses elementos probatórios, portanto, não é justo responsabilizar a infeliz rainha de Portugal pela grave decisão tomada por seus magistrados no Rio de Janeiro, cujo arbítrio, segundo anota Pedro Calmon (“História do Brasil”, vol. IV, pág. 1360), exercera-se com ampla liberdade, no âmbito da citada Carta, que antecipadamente lhes transferiu a faculdade de comutar as penas, exceto daquele que “se fez indigno da sua Real Piedade”.
Os restos mortais de Dona Maria 1ª, que morreu no Rio de janeiro em 1816, aos 81 anos, foram trasladados para a Metrópole por seu filho D. João VI, e repousam, atualmente, na Basílica da Estrela, nas imediações do Palácio de São Bento (hoje sede da Assembléia Nacional), em Lisboa, num túmulo de mármore negro, que ela mandou construir, em cumprimento ao voto de consagrar uma igreja ao coração de Jesus, no caso de conceber um filho varão, de seu casamento com o próprio tio, Dom Pedro Clemente Francisco.
Esse voto foi satisfeito, mas o primogênito faleceu aos 26 anos de idade, vítima de varíola, no Palácio da Ajuda, abrindo caminho à sucessão, no Trono, ao infante Dom João, futuro rei de Portugal e pai do proclamador da Independência do Brasil, responsável pela outorga da primeira Carta Constitucional aos portugueses em 1826 (semelhante à nossa Constituição Imperial de 1824), onde sua memória é reverenciada na Praça do Rossio, num esplendido monumento erguido no centro desse logradouro, hoje denominado Dom Pedro IV.
Como ninguém ignora, D. Maria foi a primeira mulher que, por si mesma, empunhou o cetro de Portugal, após a morte do pai, seguindo-se a demissão do Marques de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo) e a organização de um governo apoiado nos ministros Martinho de Mello e Castro, José de Seabra, Diogo Ignácio de Paiva Manique, Luiz Pinto de Souza Coutinho, entre outros, como Duque de Lafões, que tomaram as primeiras medidas de seu reinado.
Destaca-se, nesse governo, sobrelevando-se à todas as demais providências, a revisão do célebre processo dos Távoras, instaurado pelo poderoso ministro de D. José I, em face do atentado sofrido pelo monarca, em 1758, quando voltava de uma aventura amorosa.
Tudo indica que a Rainha ao receber as cópias das primeiras peças das duas devassas, instauradas em Vila Rica e no Rio de Janeiro, acerca do malogrado movimento subversivo, a intenção da Soberana, num primeiro momento, era a de perdoar completamente os implicados, segundo afirmou um dos conjurados, o Cônego Manoel Rodrigues da Costa ao retornar ao Brasil, após seu longo degredo em Portugal, mas foi ela demovida por seus ministros, provavelmente por instâncias de Martinho de Mello e Castro, que acompanhava de perto a evolução do problema político da Colônia (cf. “Instruções para o Visconde de Barbacena”, § 22, in Revista do Instituto Histórico Brasileiro, Tomo VI, pág. 11), dando origem à citada Carta Régia.
Improcede, portanto, a afirmação tantas vezes repetida, com afronta à verdade histórica, que D. Maria 1ª, cognominada “A Piedosa”, tivesse, deliberadamente reservado a pena de morte a Joaquim José da Silva Xavier, mostrando-se totalmente anacrônica a presença da soberana no interior do calabouço dos presos no Rio de Janeiro, por ocasião da leitura da sentença proferida nos autos da devassa, como aparece no filme “Os Inconfidentes”, do cineasta Joaquim Pedro de Andrade (1973), sabido que sua vinda ao Brasil verificou-se dezesseis anos depois, já demente, quando da transmigração da Corte Portuguesa ao Brasil.
Emeric Lévay (1929 – 2004) – Desembargador do TJSP, foi coordenador do Museu do Tribunal de Justiça, professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, integrante da Academia Paulista de História, do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito e sócio-titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
N.R.: texto originalmente publicado no DJE de 8/2/23.
Comunicação Social TJSP – AM (texto) / KS e PS (fotos) / MK (layout)